O programa procura ir além da fronteira que separa o sagrado do profano. Essa é uma fronteira que não convive bem com a memória cristã, uma vez que o Deus cristão renunciou à sua condição divina para se tornar humano e assim dignificar a humanidade. Por isso, a espiritualidade cristã pode abrir-se ao que de mais decisivo define a existência humana, oferecendo-lhe uma via de redenção.

Composta por John Dowland em finais do século XVI, Flow, my tears tornou-se um emblema do espírito de melancolia próprio da época. A escuridão, o exílio e a perda transcrevem-se na austeridade da melodia e do acompanhamento. A dor que não contra consolo adquire dignidade artística, convertendo-se em canto universal sobre a fragilidade humana. A Sonata em Lá menor, Op. 1 nº 4, de Georg Friedrich Haendel, revela a mestria do jovem compositor na exuberância de uma expressividade cantabile. No seu estilo italiano, mais do que exercício de brilho técnico, a sonata é um espaço de intimidade, onde a eloquência melódica se alia a uma retórica refinada, transformando a forma musical em arte de persuasão sonora. Extraída de Il Giustino (1724), a ária Vedrò con mio diletto dá voz ao eu poético na ambivalência da dor da separação e do consolo antecipado do reencontro. A linha vocal desenha-se entre a esperança e a saudade, instalada numa atmosfera de recolhimento impressa no acompanhamento instrumental. A música de Vivaldi transforma a experiência individual da perda e do desejo numa meditação de ressonância universal.